Nem Todas as Tradições são Antiquadas - Parte 02

***
          Enquanto ouvia Richard tagarelar, Sophie se pegou pensando nas qualidades do amigo, e em especial aquele dia em que negaram o convite para a Armada Dumbledore, chegando a conclusão que qualquer garota teria sorte de tê-lo. 
          — Por que você está me olhando assim? — Questionou o rapaz, tirando a ruiva de seus pensamentos.
          — Você é uma boa pessoa. — A garota respondeu.
          — Ah é?! — Rich parecia surpreso. — E por que isso agora?
          — Por que sim. É bom falar essas coisas. — Sophie riu timidamente. — Quer dizer, com essa história de Você-Sabe-Quem volta ou não volta, é bom dizer o que está no nosso coração.
          — Então quer dizer que eu sou uma boa pessoa... — Richard suspirou. — É uma boa coisa.... Eu acho.
          — Claro que é! — A ruiva pegou a mão do amigo, que começava a corar. — Rich, você deveria, você MERECE uma pessoa tão boa como você.
          O garoto sentiu o rosto ficar vermelho como um pimentão.
          — S- s-sua cerveja  a-amanteigada está q-quase no fim! — Rich se levantou rapidamente, tentando se recuperar, enquanto pegava mais duas garrafas de cerveja.
          Normalmente Soph atormentaria o rapaz, zombando de sua timidez. Porém, não naquele dia.
          — Obrigada. — Agradeceu a garota, quando o grifinório lhe entregou a garrafa de cerveja amanteigada. — Ainda dói? Como nos outros anos? — Perguntou a garota subitamente.
          Richard deu de ombros, antes de se sentar ao lado de Sophie:
          — Continuo me esquecendo de respirar nesse dia...
          Soph sabia o quê aquilo significava, Rich ainda sofria ataques de pânico todos os anos, todos naquele mesmo dia.
          — Acho que você vai esquecer pra sempre. Mas acho que esquecer de respirar vai doer um pouquinho menos a cada ano.
          — Se é que isso é possível...
          — É sim. Rich, eu lembro do dia como se fosse ontem. Nunca te vi tão transtornado...
***
Salão Comunal da Grifinória. Três anos atrás.
          "Respira cara, respira cara". Era nisso que Richard pensava, enquanto tentava se acalmar. Eram onze horas da noite, e Rich não conseguia pregar o olho, era véspera do aniversário de falecimento de seu pai. Fazia um ano desde que o ataque cardíaco fulminante havia ocorrido.
          O jovem bruxo sabia que o próximo dia seria difícil, afinal fazia apenas um ano desde a repentina morte de seu pai. Contudo, Rich sentia que tinha um hipogrifo sentado em seu peito. O rapaz estava sozinho no salão comunal, encostado na parede em posição fetal. A cada minuto que passava, o peso em seu peito só  aumentava.
(...)
          Sophie entrou no Salão Comunal da Grifinória. A garota voltava do banheiro com algumas colegas, que faziam barulho. De início, ela não havia visto Rich, que acabou ficando escondido mas, ao passar pela lareira, viu que havia uma pessoa encolhida. Ela subiu para o dormitório com as colegas, deixou suas coisas e inventou uma desculpa para poder descer. Quando chegou perto da pessoa abaixada, ela pôde perceber que era Rich.
          Sophie abaixou e pôs a mão nas costas do amigo:
          — Ei... O que você está fazendo aqui?
          Richard não respondeu, deixando a ruiva preocupada.
          — Rich, você está bem?
          O rapaz ainda estava no canto, com o coração acelerado e a respiração cada vez mais difícil.
          — E-eu não consigo... — O rapaz estava ofegante. — M-meu p-pai...
          Soph entendeu a situação imediatamente. Rich estava tendo um ataque de pânico.
          — Vou te levar até a Madame Pomfrey. — Sophie tentou erguer o rapaz, mas não conseguiu. A garota tirou a varinha das vestes, na intenção de lançar um feitiço que lhe ajudasse a carregar o rapaz. Porém, percebeu que Madame Pomfrey não poderia fazer muita coisa por Rich, no máximo lhe dar uma poção calmante. Richard precisava de apoio ao luto, não magia.
          A ruiva guardou a varinha, erguendo delicadamente o rosto do rapaz.
          — E-eu vou morrer Soph... — O jovem bruxo estava ofegante, com lágrimas nos olhos. — Igual ao meu pai.
         — Não, não vai. Richard Timms, eu me recuso a deixar você morrer com treze anos! — A jovem em um gesto reconfortante, passava as mãos nos ombros do garoto. — Você só precisa respirar.
          O rapaz balançou a cabeça em negativa, estava cada vez mais ofegante e com cada vez mais dificuldade para puxar o ar. Sophie olhou preocupada para o rapaz e respirou fundo,  pensando em algo para ajudar o amigo.
       — Rich...Não pira. Volto em um segundo. — A garota saiu correndo para os dormitórios.
          Realmente deveria ter passado apenas um segundo pois, antes que Richard pudesse responder qualquer coisa, a ruiva voltou com algumas coisas nas mãos. Ela tirou uma garrafa debaixo do braço e entregou ao garoto:
          Bebe!
          Rich ficou paralisado, segurando a garrafa com as duas mãos. Então, Sophie gentilmente colocou a garrafa na boca do amigo:
          — Hoje é só a véspera de uma terça-feira. — Enquanto segurava a garrafa com uma das mãos, na outra ela afagava os cabelos do rapaz. — Uma terça que você decidiu tomar uma cerveja amanteigada. — Richard encarava os olhos verdes da ruiva, enquanto dava goles na bebida, ouvindo a voz de da garota, aos poucos sua respiração ia se normalizando.
          A ruiva observava o garoto atentamente. Dar cerveja amanteigada para ele deu-lhe tempo para pensar em algo para dizer.
          — Está melhorando? — Ela não conseguiu pensar em nada melhor.

          Rich balançou a cabeça afirmativamente.
          — Bom... - Ela murmurou. — Agora come.
          Sophie praticamente enfiou a comida na garganta do garoto. Enquanto tentava não se engasgar com a tortinha em sua boca, Rich olhava desesperadamente para Sophie.
          — Engole! Do contrário, vou pegar o resto cuspido do chão e fazer você comer! — A ruiva olhava para Rich com seriedade. — Nada mudou! Você está seguro em Hogwarts, sofrendo com uma das loucuras da sua melhor amiga... — Soph continuou repetindo. — Nada mudou. Você está seguro em Hogwarts...
          O jovem bruxo ficou por mais alguns instantes ouvindo a amiga e mastigando, até que finalmente conseguiu engolir:
          — Merlin! Você podia ter me matado! — Richard estava tossindo, se recuperando da tortinha que fora enfiada em sua garganta. — Isso que você me deu era de l...?
          — Sim, de limão. — Sophie respondeu, interrompendo o amigo.
          Nesse momento, o relógio do Pátio da Torre começou a badalar, indicando já ser meia-noite, indicando que há um ano Rich perdera seu pai. Richard voltou a ficar com a respiração um pouco acelerada.
          — É só um dia de terça. — Murmurrou Soph, sentando ao lado do amigo e pegando em sua mão.
          Os dois jovens permaneceram em silêncio, esperando as doze badaladas passarem. Quando a décima segunda badalada findou, o grifinório olhou para a sua melhor amiga:
          — É só um dia de terça. — Disse o rapaz ainda segurando a mão da jovem ao seu lado, voltando aos poucos a ter uma respiração estável.
***
          — Nunca vou esquecer daquele dia. — Rich disse.
          — Nem eu. - Sophie concordou. — Achei que fosse ter que te estuporar para você voltar ao normal. — A bruxa sorriu, e em seguida deu uma piscadela.
          — Não duvido que você faria isso. — Rich riu. — Soph, vou ser eternamente grato a você.
          — Deixa disso. É só deixar eu te acertar com um balaço um dia desses...
          — Talvez eu deixe você acertar até dois... — Respondeu o rapaz, cutucando a garota levemente com o cotovelo.
          Os dois jovens riram mais uma vez, até que as tão conhecidas e odiadas doze badaladas tocaram. Era o aniversário de falecimento do pai de Richard. O garoto fechou os olhos, dizendo a si mesmo para lembrar de respirar.
          — É só um dia de terça. — Murmurrou Soph, segurando a mão do amigo.
          Richard, que estava de olhos fechados, assentiu com a cabeça:
          — É só um dia de terça.

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